Voltas, armaduras, espaços

 Alguns anos se passaram desde que eu voltei do Rio, mas as sequelas e traumas seguem comigo. Não me entendam mal: é claro que tive momentos maravilhosos e fiz amigos que levo pra vida. Porém, a experiência como um todo, de solidão, de hostilidade, de "ter que correr atrás do sonho", tudo me fez cada vez mais isolado de mim mesmo, mais entorpecido, levando camada após camada de armaduras contra qualquer coisa que pudesse me fazer mal. Afinal, era eu contra o mundo. Um mundo que te engole sem nem fazer esforço, se deixar.

Eu precisava ser forte e jamais deixar as coisas ruins me abalar. Se eu não fizesse por mim, quem ia fazer? Me tornei duro, maquinado. Desaprendi a sentir.

Quando voltei, um alívio tomou conta de mim. Me surpreendi quando, em uma tarde de trabalho perfeitamente habitual, tive um medo paralisante. Não fazia sentido, afinal de contas. Segui meu turno, fui pra faculdade. Máquina. O medo só aumentou. Comecei a ter medo de cometer um ato contra mim. Busquei ajuda médica, fui medicado. Na semana seguinte, o médico diz: "isso foi uma crise de pânico. Caso tu não saiba, é uma consequência de uma depressão não tratada".

Estranhei.

"mas eu nunca sinto nada de ruim!"

"exatamente por isso"


Anos se passaram. Dezenas de consultas médicas. Centenas de comprimidos. Quando estável, achei melhor parar. Tive recaídas, mas Mada que exigisse a volta do tratamento psiquiátrico. Dezenas de consultas com meu psicólogo, também. Aprendizado muito lento.

"tu deveria trocar de psicólogo, não tá funcionando", ouvi. Desmenti: "funciona, mas atuando em problemas tão profundos que tu nem sabia que eu tinha"


Tenho aprendido a sentir as coisas. A nomear, a reconhecer gatilhos e motivos. Fiz avanços dos quais me orgulho. Talvez não o suficiente pra que meus diálogos internos voltem a se tornar os textos que vocês leem aqui (quem ainda lê, pelo menos).

Hoje escrevo pra lembrar, pra marcar e registrar mais uma vez:

Sentir dói. É pesado. Mas eu preciso sentir.

Eu ainda me vejo sozinho, preciso lembrar de me permitir pedir ajuda.

Mesmo me vendo sozinho, sei que aqui não sou eu contra o mundo. Não preciso ficar de guarda alta. Não devo "ser forte" acima de tudo (nem preciso do vazio que isso me traz).

Se aqui o mundo não tá contra mim, posso achar meu espaço. O mesmo espaço que tantas e tantas vezes procurei e não achei. Como nesse exato momento não acho. Na infância era o espaço emocional e social. No Rio, também o físico. Hoje, rebusco espaços que já ocupei (mas que minha ausência fez muito por me apagar). Alguns, jamais voltam (saudades, mãe).


Enfim, tenho muita coisa pela frente. Tô mal e mal engatinhando, e muito do que eu queria dizer aqui, não disse. Talvez por não saber dizer. Talvez por não saber sentir. Pode ainda ser o medo, que é uma constante. Mas escrevi, e mesmo não gostando do que escrevi, é um começo. Talvez uma retomada. Talvez um espaço reconquistado (ou em processo). Importa que escrevi.

Comentários